O DEMÔNIO DA COLINA

Por Rogério S. de Farias

Ilustração gerada por Inteligência Artificial, representando Zaglar, o bárbaro (Fonte: site Dall-E 2)


No mítico mundo de Yajyzlur, o mundo antigo de duas luas azuis e arcaicas, muito além das estrelas conhecidas, existia um grande guerreiro. Seu nome era Zaglar.

      Zaglar, o bárbaro e guerreiro errante, seguia seu caminho pelas montanhas enevoadas de Wulwur, também chamadas de Montanhas dos Encantamentos.

      Pelas trilhas solitárias, o sombrio bárbaro e ex-mercenário, montado em seu robusto e branco unicórnio, ia pensativo, a vasta cabeleira loira e anelada começando a balançar com a brisa do fim da noite, brisa que os antigos místicos aklyrianos diziam ser os afagos de Glulwula, a deusa yajyzluriana dos ventos.

      Pela manhã, Zaglar, de Aklyr, a antiga cidade de granito e mármore esverdeado dos guerreiros selvagens e dos adeptos da magia, alcançou o verdejante vale de Minzhir, ao sul do reino de Zlur, o reflexo do sol batendo no cabo cravejado de minúsculas safiras de sua formidável espada, embainhada e presa às costas musculosas e morenas. Aquelas pequenas safiras eram do mesmo matiz dos olhos jovens e sombrios de Zaglar.

      No caminho encontrou um provecto eremita, que diziam ser mago de prístinas e estranhas eras. O velho falou-lhe bem assim, quase num sussurro:

      “Sou Zarathaystrus, e vivo solitariamente neste vale há muito tempo, livre como os afagos de Glulwula, bem solitário como o sol de Yajyzlur! Uma curiosidade me assaltou: que diabos quer um guerreiro aklyriano aqui, num lugar sabidamente deserto e inóspito como este? Sempre soube que aklyrianos costumam ser beligerantes, gostam mesmo é do calor das batalhas sangrentas, de tavernas sujas, vinhos inebriantes e mulheres lascivas sempre prontas a mercadejar o corpo com lubricidade e volúpia intensas”.

      Zaglar, de Aklyr, também chamada “A Antiga”, fitou-o com seus olhos tristes e disse-lhe:

     “Cansei-me de matanças, guerras e libertinagens de cidades depravadas, velho ermitão. Faz sete noites que abandonei tudo em busca de um sentido para minha vida. Que sentido há no existir, na vida de um guerreiro bárbaro que foi ensinado a matar desde criança, a enfrentar um campo de batalha como se fosse um jardim maldito onde a espada colhe os cadáveres, as flores negras e fétidas da morte, regadas com sangue. Agora anseio em decifrar os mistérios da vida e da morte, velho.”

      Zarathaystrus sorriu com indulgência para o jovem guerreiro.

     “Queres seguir comigo? Minha senda é como uma lenda cheia de mistérios sobrenaturais e inquietantes. Vem comigo, ó jovem guerreiro! Serás meu discípulo, meu companheiro de caminho e meu amigo na jornada do conhecimento espiritual!”

      Zaglar, o guerreiro entediado de tantas guerras e matanças, sorriu amigavelmente e fez que sim com a cabeça, pronto a seguir seu mestre como novo e fiel discípulo. Mas antes apeou do unicórnio e soltou o lindo animal que lhe servia de montaria havia anos, o qual participara de guerras e campanhas memoráveis.   

     “Seguirei contigo sem a minha montaria; além do mais, chega um tempo em que até mesmo um animal também merece a liberdade, mesmo que seja um unicórnio de mágica e rara beleza e apto a cavalgar em sangrentos campos de batalha!”

      O velho sorriu, observando o unicórnio branco como um fantasma indo solto, leve e livre pelas pradarias adiante. E o ancião disse ao loiro guerreiro:

      “Vejo que já aprendeu a primeira grande lição, Zaglar de Aklyr: para ser livre, primeiro é preciso não escravizar, nem mesmo um animal!”

      Seguiam sob o sol matinal, um conversando com o outro, como pai e filho ou avô e neto.

      “Velho, observa a lâmina de minha espada”. O eremita de longos cabelos brancos e barba de igual cor e tamanho, viu Zaglar desembainhar a espada e apontá-la em sua direção, quase perto do pescoço do ancião. Zaglar segurava sua espada, parecendo querer decepar a cabeça do velho, mas, de súbito, virou-se para o lado e arremessou como uma lança seu gládio formidável, que foi cair bem longe, fincando-se no solo.

      O velho sorriu.

      “Acho que a segunda lição já aprendeste: para ser livre, é preciso que não derrames sangue inocente, que tenhas compaixão”.

      Zaglar falou:

      “Sempre soube que nas primeiras iniciações místicas e esotéricas de Yajyzlur são em número de três. Qual é a minha terceira e última lição, velho eremita e meu mestre?”

       O velho falou:

      “Observe lá adiante, sob aquela colina. O que vês, discípulo?”

      Já era noite, agora, e as luas gêmeas e azuis de Yajyzlur iluminavam precária e estranhamente o lugar desértico. Via-se sobre a colina alguma coisa brilhante, tétrica, terrível como o fogo do Inferno yajyzluriano. Era um demônio, pensou Zaglar de Aklyr, arrependendo-se de ter jogado fora sua espada. 

      “De fato é um demônio”, disse o velho.“O pior de todos os demônios. E tu terás de enfrentá-lo! É o teu pior inimigo, Zaglar de Aklyr. Simplesmente és tu mesmo, e não precisas de espada para matá-lo, pois tua melhor arma é o teu Real Ser, o teu Eu Verdadeiro que se oculta em ti, atrás das sombras do teu Eu Inferior!”.

      “Como assim, velho?”

      “No topo daquela colina coloquei um grande espelho mágico que ganhei de uma caravana de Utlarg que passou certo dia, aqui. Sabes como são esotéricos os utlarguianos. Simbolicamente, o teu reflexo é o teu próprio eu. Deverás vencê-lo, porque só assim descobrirás tua verdadeira alma”.

      E naquele distante e antigo mundo, muito além da mísera imaginação humana, uma nova alma principiava a deixar o calabouço do egoísmo. E Zaglar, da enevoada e granítica Aklyr, começava a galgar os primeiros degraus da escada da mais suprema de todas as libertações: a libertação espiritual. Num futuro não muito distante, sentado em um trono de crisólita e topázio, ele se tornaria um rei, mago e guerreiro na luta contra as forças assombrosas das trevas.


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