A MALDIÇÃO DE AKLATHENOHM
Conto de Rogério S. de Farias
Ilustração gerada por inteligência artificial
Na misteriosa e remota infância do mundo,
quando o homem era apenas um sonho incipiente dos deuses esboçado em carne,
sangue e fúria, havia uma grande terra, chamada Druzuxkulhulpion, constituída
de um único e gigantesco continente sobre as águas de um oceano turbulento,
águas quentes e revoltosas, onde a vida subaquática ainda era escassa e jovem.
Os sábios do futuro chamariam esse oceano de Pantalassa, e essa terra de
Pangéia, mas seus nomes verdadeiros eram Garith e Druzuxkulhupion,
respectivamente.
Na grande cidade-estado de Lmnir,
também capital de Druzuxkulhulpion, onde habitava o estranho povo-lagarto,
grotescos humanóides, meio homens e meio répteis, com seus palácios de ouro e
prata e suas espadas de djiryuwn (uma espécie de aço negro e cintilante
de então, tirado e forjado de um grande meteorito em forma de caveira humana
que caíra no vale de Zizar), vivia e mandava o malvado e opressor rei do
povo-lagarto, Aklathenohm, que mandara construir uma torre gigantesca de ouro
maciço, maravilha do continente único de Druzuxkulhulpion.
Aklathenohm, com seu orgulho
titânico, resolvera construir aquela torre colossal que, segundo ele, tocaria o
céu e faria cócegas no ventre rotundo dos deuses antigos das estrelas
distantes. A rainha, sua esposa Arktília, de índole perversa também, concordara
em tudo, submissa, lasciva, entregue a concupiscências pecaminosas.
Em Lmnir, eram cultuados os sete
deuses maiores druzuxkulhupionitas: Zantrah, Tarabachibuch,Vlig, o branco
Milac, Zorthiay, Guh, o folião do pandemônio e também o terrível e negro Bed.
Todavia, o rei de Lmnir adorava o deus menor, malévolo e antigo chamado
Sharthak, também conhecido como deus-lagarto da discórdia e do ódio;
Aklathenohm e seus sacerdotes e fiéis adoravam Sharthak como se fosse um deus
único.
Mas o orgulho de Aklathenohm era
mais satânico do que o povo pensara. Entre o povo-lagarto, havia uma casta
menor de druzuxkulhupionitas, mestiços, híbridos de primatas e répteis
humanóides, considerados párias. Eram os Hadanos, que futuramente dariam origem
aos australopithecus e pithecanthropus, numa evolução alucinante esboçada pelos
deuses da Criação. Os hadanos eram como um esboço dos homens feito pelas mãos
dos deuses antigos e esquecidos no tapete da existência terrena, e quem tenha
ouvidos que não sejam moucos, ouçam estas minhas palavras e esta minha
história, pois fui o cronista desta era de sombras perdida na grande noite dos
séculos.
A maioria dos hadanos servia como
escravos, gladiadores ou serviçais, mas também havia uma parte de hadanos
livres e nômades, de uma outra casta de mestiços, e alguns desses eram xamãs ,
guerreiros e até mercenários bárbaros.
Um dia, Aklathenohm mandou exterminar
todos os hadanos da face de Druzuxkulhulpion. Ele queria a supremacia e a
pureza total da raça dos homens-lagarto druzuxkulhupionitas. Nenhum maldito mestiço seria poupado, segundo seu louco pensar.
Todos os hadanos, livres ou escravos, de todas as castas, seriam presos e
sacrificados em honra ao maldito deus Sharthak (“Sharthak” na língua dos
druzuxkulpionitas queria dizer “aquele que chafurda nas cloacas imundas do Inferno
do caos” ou “o que rastejou das sombras dos lamaçais do Inferno caótico para
matar os viventes”). Hadanos escravos ou hadanos livres seriam queimados vivos
em grandes fornos em forma de caveiras nas misteriosas montanhas de Zlor, ao
sul do continente único de Druzuxkulhupion, maravilha única do mundo antigo.
Trancados nos sinistros fornos nos
cumes das montanhas zlorianas, os hadanos foram sendo dizimados pouco a pouco,
dia após dia, noite após noite, num genocídio lento e horrível. Os gritos
medonhos de horror e morte foram ouvidos durante anos pelos homens-lagarto de
Lmnir, sem nenhuma piedade. O insano Aklathenohm costumava dizer
sarcasticamente a Arkitília, quando ouvia os gritos de agonia:”Estou ouvindo a
minha música favorita, minha querida: a música da morte violenta dos seres
inferiores, os hadanos!’’. E ambos gargalhavam em meio a uma esdrúxula luxúria
pecaminosa.
No dia em que queimaram vivo o
filósofo, profeta e xamã hadano de nome Merugiteth, da aldeia livre de Kzor,
ouviu-se uma maldição negra ser vomitada da garganta desse mago hadano antes de sua morte, uma maldição do velho sábio hadano versado em
conhecimentos místicos proibidos de esferas ou reinos astrais e etéricos
invisíveis ao olho comum. A maldição do mago tido como louco pelo rei do
povo-lagarto ecoou por todo o reino de
Lmnir, chegando aos ouvidos de Aklathenohm como um hino de vingança macabra.
Aklathenohm, postado paranoicamente em seu trono, lá no alto de sua torre
colossal feita de ouro maciço, parecia estar atravessando os portais da loucura
e do remorso. Sem dúvida, Merugiteth evocara entes demoníacos da natureza e da
face oculta da lua para atormentar a consciência de Aklathenohm que pesara tal
qual uma montanha de granito.
Em seu trono de ágata e
lápis-lazúli, Aklathenohm ouviu em sua mente a maldição negra de Merugiteth,
lançada ao rei durante noites e noites
inteiras de delírio e febre alucinantes.
Eis, em síntese, a maldição
proferida pelo feiticeiro Merugiteth: “Amaldiçoada seja o reino de Lmnir e toda
a corrupta Druzuxkulhulpion, maravilha pecaminosa do continente único! Eu a
amaldiçôo com todas as forças negras de meu coração hadano apodrecido e
carcomido pelo ódio e pelo desejo de vingança! Haverá um dia em que este
reinado de ódio contra o povo hadano perecerá para sempre. Virão muitas chuvas,
trovões, terremotos, maremotos, cataclismos criados pelos deuses invisíveis da
natureza e pelos demônios verdes que dançam silenciosamente na face escura da
lua, e tudo será destruído, tudo será purificado, desenhando-se, assim, um novo
mundo com uma nova geografia, um mundo que não mais se chamará
Druzuxkulhulpion, mas sim...Lemúria!... Que fique o maldito rei
Aklathenohm, com seu orgulho anormal e satânico sabendo que os hadanos não irão
morrer nunca!...
“Conseguimos ocultar um jovem casal nas
montanhas de Saphyr, nos bosques e jardins ao norte das montanhas de Éthen, que
servirá como sementeira para uma nova raça. O hadano macho chama-se Hadan e a
fêmea chama-se Revah. Revah dará a luz em breve, perpetuando e evoluindo a raça
hadana para a raça humana, no ciclo inteminável de nascimento e morte da vida
neste mundo. E, após as pestes e os
cataclismos, a maldição perpétua cairá implacável sobre o último dos
homens-lagarto, o reio Aklathenohm! E então o tirano perecerá em dores e solidão
atrozes e eternas!”
Quando por fim vieram os
cataclismos profetizados, vieram também os terremotos e os maremotos, vieram
pragas e doenças terríveis que mataram todos os homens-lagarto, até que restou
apenas um, aquele em sua torre gigantesca de ouro, perto do céu, perto das
estrelas distantes e desconhecidas, perto da lua cheia maldita, o tirânico e
louco rei Aklathenohm, sozinho com sua arrogância, sua luxúria e sua empáfia,
com seu egoísmo diabólico, com seu louco e abominável deus Sharthak, que o
abandonara para sempre. E com sua terrível doença que o tornara um autêntico
morto-vivo! A mesma coisa aconteceu com a rainha Aktília, completamente vencida
pela insanidade nascida da voluptuosidade malsã, teve sua pele e carne
apodrecidas em vida.
Aklathenohm gritou de horror e loucura
em sua torre dourada, que inexplicavelmente não fora destruída pelos
cataclismos e pela Era Glacial que se seguiu. O rei, atônito, viu ruir seu
império e sua nação.
Segundo os Pergaminhos Negros de
Saahrhayrtrung, encontrados ainda nas ruínas dos templos de Saphyr, escritos
pelos próprios Hadan e Revah, que então começaram um novo mundo, o rei
Aklathenohm, no auge do seu desespero e horror, juntamente com a rainha, teriam
visto uma estranha e luminosa nuvem
verde de aspecto discoidal e fantasmagórico descer da lua numa noite fria e
agourenta, envolvendo o topo da torre e levando o rei tirano e sua rainha
inteiramente vivos, porém enlouquecidos, para muito além das estrelas do
firmamento negro.
O tempo passaria por anos e séculos antes dos demônios cosmonautas que viajavam na estranha nuvem luminosa e espectral oriunda do lado negro da lua trouxessem de volta ao então mundo da Lemúria o rei Aklathenohm e a libidinosa rainha Arkitília, que involuíram de tal modo, que se tornaram tiranossauros (foi assim que surgiram esses monstros colossais do passado remoto da terra!), e que, no decorrer das eras, involuiriam ainda mais, passando de dinossauros até tornarem-se aquilo que os homens do futuro chamariam... lagartos.