A BATALHA DAS LÂMINAS RELAMPEJANTES
Por Rogério S. de Farias
(uma aventura com Thorlantarac, o bravo)

Ilustração gerada por Inteligência Artificial, representando Thorlantarac, personagem criado por R. S. de Farias (Fonte: site Dall-E 2)


            Eu, Thorlantarac, o bravo, com minha inseparável alabarda de lâmina cintilante, nascido livre nas plagas quase inóspitas da sombria Elenkótria, falar-lhes-ei, agora , de uma de minhas grandes aventuras como mercenário dos exércitos do rei da Cintradismônia, Olezagorn, o Velho. Cintradismônia, a cidade dos bravos, além das montanhas verdejantes e enevoadas de Sassandriminir, nas orlas longínquas das Terras Lendárias, onde a magia e o barbarismo prevalecem, em força e fúria indomáveis.

 

            Sou um bárbaro de vasta, loira e anelada cabeleira a balançar ao vento como a juba de um leão feroz das savanas de Ukrith, e meus olhos, sombrios e azuis como o cintilar do aço de minha alabarda, observam com doce melancolia os primeiros clarões rubros da aurora, enquanto cavalgo para o sul da Berbeltrinía, montado em meu veloz unicórnio, em busca de novas aventuras.

 

            Sou Thorlantarac, mas quando durmo e sonho eu sou um outro homem, um homem estranho, solitário e amargurado, com físico de sábio e olhos tristonhos e escuros como as velas das naus que singram nos mares do inferno. Sim, um escriba de um outro mundo chamado Terra, mas que nos Pergaminhos Sagrados de Monrabeth, a cidade esquecida e em ruínas, é chamado pelo curioso nome de Sólida, orbe azul do degredo espiritual soez.

            E como escriba, visionário e sonhador de Sólida ou Terra, por certo ainda contarei a muitos outros a mesma história que eu, aqui, agora, como Thorlantarac, contarei a todos sem mentir ou omitir nenhuma passagem, para que não seja esquecida nas Crônicas de Cintradismônia. A história da grande Batalha das Lâminas Relampejantes, e de como o aço das lâminas aliado à força da magia fez uma nação livre vencer uma guerra!

 

            Quando o príncipe louco Katrick, de Dragotha ─ mestre grotesco e zarolho do machado de guerra sangrento e decapitador ─  desejoso do corpo e da alma da bela princesa Yaranda, da Cintradismônia, levou seus exércitos para o cerco da cidade dos bravos, o sol atingia o zênite do firmamento límpido e azul do verão das Terras Lendárias.

 

            O rei da Cintradismônia reunira, além das tropas de mil arqueiros, oitocentos lanceiros , dois mil espadachins e as quinhentas virgens das balestras e arco e flecha do exército real, uma legião de mercenários, nômades e aventureiros, e dentre esses estava eu, Thorlantarac, o bravo guerreiro elenkotriano da alabarda de lâmina cintilante, em busca de soldos e glória de batalhas.

 

            Primeiramente os portões das muralhas de granito e mármore da Cintradismônia foram abertos para que fôssemos ao encontro do inimigo, antes que eles, os dragothanianos fizessem o cerco, deixando-nos encurralados como ovelhas perante lobos. O rei Olezagorn, o Velho, seguia as instruções de seu conselheiro, o sumo sacerdote Kolga Salba, adorador do deus vermelho da guerra, Derbetroll.  Sim, ele, o misterioso Kolga Salba, mago de origem desconhecida, mas que fora contratado pelo rei para que servisse de estrategista de guerra, bem como oráculo oficial dos destinos cintradismonianos, ante cuja opinião todos seguiam.

 

            A nós, da infantaria e do restante do exército do rei, o mago pálido, alto e magro aconselhou-nos que a melhor defesa seria o ataque, pois só assim sairíamos vitoriosos da guerra contra Dragotha.

 

            Assim, quando o sol estava a pino, eu e meus companheiros de infantaria já marchávamos à frente da cavalaria, dos lanceiros e das donzelas da balestra e do arco e flecha. Nossa cavalaria, os Leões Dourados de Citradismônia, hoste de soldados montados em formidáveis unicórnios brancos e azuis, ia mais atrás, orgulhosa e altiva, empunhando escudos e espadas, tremulando os estandartes dourados do reino dos bravos.

 

            Os inimigos, os homens de Dragotha, eram feios , violentos e malvados. Seus corações negros desejavam a morte, a força , a conquista de tudo e de todos que não pertencesse à sua raça malévola de homens robustos. Barbados e de elevada estatura, eles eram uma raça  de gigantes embalada desde cedo no berço negro dos sonhos de poder e glória, sonhos sempre encharcados de sangue e sombras.

 

            Katrick, príncipe grotesco de Dragotha, com seu machado assassino, queria a tomada de Cintradismônia, o trono e a princesa Yaranda, a bela ruiva de olhos verdes como a cor  da pele  dos clãs dos duendes e trasgos dos primórdios das Terras Lendárias.

 

           Como uma onda sanguinária e rubra, as tropas de Katrick, o príncipe zarolho, montadas em seus lépidos unicórnios negros, ergueram suas cimitarras afiadas, num brado feroz à maneira dos demônios guerreiros egressos das danações pantanosas do Inferno.

 

            Eu, Thorlantarac, sob o comando do general Rufus, avancei, soltando meu grito de guerra elenkotriano que lembra o uivo de um lobo, incentivando a marcha da infantaria em nossa campanha que, esperávamos, fosse vitoriosa. Éramos mil guerreiros valentes, juntamente com mais quase cinco mil do exército real da cidade-estado de Cintradismônia, a caminho da batalha nas planícies ao longo de Yurm Ahul Kondraath, no embate decisivo.

 

            Assim, lançamo-nos com incrível denodo, na audácia suprema dos bravos que lutam por seus destinos até a morte!

 

            Então as lâminas  relampejaram ao sol do meio-dia, e o clangor impiedoso do aço , amalgamado aos gritos e bramidos de ódio e bravura, transformaram a planície em um altar de sacrifícios, num holocausto vermelho a Derbetroll, deus cintradismoniano da guerra.

 

            Há melancolia, dor, exultação e loucura numa batalha. A coroa da vitória é manchada de sangue. Numa guerra, a vida só faz sentido na matança. Os corpos são extensões da alma em fúria, e as armas extensões da vontade do espírito, na sua ânsia suprema de fazer-se livre, forte, indomável e, sobretudo, invencível. Sim, o vermelho campo de batalha da existência resume seu sentido e sua lógica na guerra, no derramamento de sangue em nome da liberdade, onde se mata ou morre, cumprindo-se o destino de civilizações.

 

            Era minha primeira grande batalha, meu batismo de fogo! Corpos foram retalhados e trucidados por minha invencível alabarda. Cortei cem cabeças dragothanianas em menos de uma hora. Uma nuvem escarlate de loucura e violência cegou-me a razão na tempestade luminosa de meu espírito indomável. Eu só via em minha mente o desejo de matar, livrando o bravo e hercúleo reino de Cintradismônia das garras da loucura, do opróbrio, da morte em vida e escravidão que Katrick, o príncipe grotesco e zarolho, iria impor e infligir com mão de ferro à nação livre dos bravos homens de Cintradismônia.

 

            Já era quase o meio da tarde quando nossas tropas estavam sendo dizimadas como moscas pelas Águias Negras de Dragotha, alcunha das tropas de soldados de Katrick, o lunático príncipe guerreiro.

 

            Foi então que o general Rufus mandou que tocassem as trompas de prata, e o som fez estremecer a terra, pois era o chamado estratégico do misterioso mago Kolga Salba, que num átimo surgiu por entre as nuvens, montado num estranho e terrível animal alado, misto de gárgula, morcego e dragão.

 

            Kolga Salba, o adepto das artes místicas, trazia numa das mãos aquele inseparável volume de magia, o detestável Necrosofia, raro e antigo compêndio de fórmulas esotéricas.

 

            Planando sobre nossas tropas e as de Dragotha, Kolga Salba, o enigmático, recitou o encantamento, pronunciando as palavras mágicas, ao mesmo tempo em que retirava do embornal que trazia a tiracolo um punhado de pó dourado, lançando-o depois sobre nós, no campo de batalha, como se semeasse forças místicas poderosas!

 

            O pó mágico realmente desencadeou algo fantástico e assustador sobre todos nós, do exército de Cintradismônia e do de Dragotha, mas para cada qual teve efeitos diversos.

 

            Nós, da cavalaria e infantaria cintradismoniana recrudescemos, redobrando nossas forças, tornando-nos poderosos e ainda mais hercúleos. Nossas espadas, lanças e alabardas beberam o sangue dos aturdidos dragothanianos com maior rapidez, força e crueldade, como se estivéssemos possuídos pelos demônios furiosos da guerra, e então os soldados de Katrick, enfraquecidos, morreram sob nossas lâminas, como se estivessem num estado de estupor que só uma orgia de vinhos numa taberna de Sassandriminir poderia propiciar.

 

            E nossas lâminas cobertas de sangue relampejaram ao sol, como se estivessem energizadas pela força da morte, até o último dos inimigos cair sem vida, Katrick, o príncipe zarolho de Dragotha.

 

            A sombra da montaria alada de Kolga Salba passeou por sobre os cadáveres dos guerreiros dragothanianos, e em regozijo, lá no alto, o mago, ao ver o cadáver de Katrick, expeliu uma gargalhada que teve a mesma ressonância dos gongos de bronze dos templos da escuridão do inferno.

            E então, sempre montado na terrível montaria com asas de morcego, Kolga Salba sumiu no horizonte vermelho, aos primeiros minutos daquele crepúsculo de sangue.

 

            Mais tarde, quando Olezagorn, o Velho, rei de Cintradismônia, discursava no balcão do palácio, apoiado na balaustrada devido a alguns ferimentos de batalha, ficamos sabendo que o pó dourado fora feito das pétalas amarelas dos lótus que nascem nas criptas e pântanos de Khomaithas, a terra dos duendes, nos golfos imemoriais, além das Ilhas das Sombras, além do norte de Sassandriminir, lá nas terras orientais.

 

            Desde então, eu, Thorlantarac, o bravo, passei a respeitar a magia, que quando unida à valentia dos homens, pode destruir um império do mal, como o de Katrick, de Dragotha.

 

 

Print Friendly Version of this pageImprimir Get a PDF version of this webpagePDF

Crie um site gratuito com o Yola